OS GÊNEROS DO DISCURSO E SEU PAPEL NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Autora: SANDRA DELSOQUIO

 
 
 
OS GÊNEROS DO DISCURSO E SEU PAPEL NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM
 
Sandra Delsoquio
Ms. Leomar Kieckhoefel
 
RESUMO
 
O presente artigo buscou construir uma visão diferenciada quanto ao ensino de Língua Portuguesa nas salas de aula e foi desenvolvido a partir de uma inquietação decorrente dos anos de docência: como ensinar Língua Portuguesa de uma maneira prazerosa e ao mesmo tempo eficaz? Para tanto procurou-se, primeiramente, identificar qual o papel da Língua Portuguesa visando um caráter sociointeracional e diagnosticar como muitas vezes a Língua portuguesa é abordada em sala de aula. Para isso fez um breve estudo sobre as concepções de linguagem a fim de entender como a língua pode ser vista em diferentes âmbitos sob diferentes prismas. Para auxiliar na construção das relações entre teoria e prática usou-se como aporte os Parâmetros Curriculares Nacionais, as Orientações Curriculares para o Ensino Médio e um constructo teórico baseado nos estudos sobre os gêneros do discurso encabeçado por Bakhtin aliando-se a ele temos Marcuschi, Dolz e Schneuwly que tratam do trabalho com os gêneros em sala de aula. Além destes temos Antunes com seu estudo sobre a Língua Portuguesa e a interação feita a partir dela e Santos com estudos sobre tiras cômicas ou tirinhas.
 
 
Palavras-chave: Língua Portuguesa. Docência. Gêneros textuais.
 
 
1 INTRODUÇÃO
 
 
E quanto mais me dou à experiência de lidar sem medo, sem preconceito, com as diferenças, tanto melhor me conheço e construo meu perfil.
 
Paulo Freire
 
Cada vez mais, quando se fala em educação, pensa-se na formação de professores que transcendam o conteúdo, que tenham uma visão ampla de mundo, que consigam explorar o conhecimento e as habilidades dos seus alunos. No entanto, para que isso ocorra, temos que perceber e entender o que cerca esse ambiente, a escola, e tudo o que direta ou indiretamente está ligado a ela. Por este motivo faremos uma discussão sobre a Língua Portuguesa e o que compete a ela. Mais precisamente sobre como ela deve ser trabalhada em sala de aula de modo a tornar-se uma aliada no processo sociointeracional, fazendo com que os sujeitos ao se comunicarem pela língua portuguesa usem todo o conhecimento adquirido em sala conseguindo adaptar-se a distintas situações de comunicação.
Para tanto, primeiramente, fez-se uma breve discussão sobre as concepções de linguagem suas implicações didáticas. Após, há uma abordagem sobre o trabalho com os gêneros textuais.
Visto isso, percebe-se o porquê há muito tempo a escola tem sido o centro de discussões acerca de melhorias na educação, tanto na metodologia quanto na preparação dos professores. Um dos pontos mais importantes desta discussão é o ensino de Língua Portuguesa, já que muitos alunos têm grande dificuldade de compreensão, interpretação de texto dos mais variados gêneros e até mesmo no que diz respeito à organização de ideias, tanto na modalidade oral quanto na escrita.
Portanto, se é através da linguagem que o homem se comunica, é de suma importância o domínio da língua para que haja comunicação social, não apenas a  linguagem escrita, mas, as diferentes formas de linguagem como a escrita, oral, visual, mista, etc. Sabe-se que a língua é um fator de exclusão social muitas vezes, pois, mesmo que  a comunicação não seja feita totalmente na norma padrão, que no dia a dia usemos dialetos e variantes linguísticas, ela é  sinônimo de poder. O domínio da linguagem (principalmente a padrão), como atividade discursiva e cognitiva, é que faz com que o homem tenha participação social no ambiente em que vive, podendo assim adaptar-se às várias situações de comunicação a que é exposto.
Tendo em vista a comunicação, um dos pontos mais importantes no que diz respeito à língua são as concepções de linguagem. Dependendo da concepção que permeia a prática docente, o ensino de Língua Portuguesa toma um rumo mais consciente em relação ao ensino-aprendizagem, possibilitando ver a língua como uma forma de interação social.
 
 
2 AS CONCEPÇÕES DE LINGUAGEM E A PRÁTICA DOCENTE
 
 
O como a língua é trabalhada em sala de aula é fundamental para se perceber o porquê, muitas vezes, o estudo da mesma torna-se obsoleto e desmotivador. Portanto, entender como as diferentes concepções de linguagem trabalham com a língua é importantíssimo para compreender posteriormente porque o trabalho com os gêneros textuais torna-se essencial. Vejamos então as concepções de linguagem.
 São três as concepções de linguagem apontadas por estudiosos da área: linguagem como expressão do pensamento, linguagem como instrumento de comunicação e linguagem como forma de interação.
 A primeira concepção, como esclarece Travaglia (1998, p. 21), considera que “as pessoas não se expressam bem porque não pensam”. Abstraímos deste excerto que esta concepção de linguagem incorpora um papel individual que torna o outro, o interlocutor, nulo no que diz respeito à comunicação. Travaglia enfatiza (1998) que, nesta concepção, o ato de comunicar-se é individual e monológico, que não sofre intervenção do outro nem em circunstâncias sociais em que a comunicação ocorre. Essa concepção está intimamente ligada ao estudo da gramática normativa; não leva em conta uma real situação de comunicação, nela o que vai ser exteriorizado já está pronto e acabado e sua exteriorização é uma simples tradução do pensamento.
Discordando desta concepção, Bakhtin (1997, p. 109) reforça que “o ato da fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado individual [...] A enunciação é de natureza social”.
Na segunda concepção, ainda para Travaglia (1998, p. 22), “a língua é vista como um código, ou seja, um conjunto de signos que se combinam segundo regras, e que é capaz de transmitir uma mensagem, informações de um emissor a um receptor”, e que para isso precisa ser decodificado. Para esta concepção, apesar de a língua ter o propósito da comunicação, ainda é limitado esse papel, pois é vista como algo abstrato à medida que o outro não tem ainda uma real significação no âmbito comunicativo.
Em contrapartida, Bakhtin (1997, p. 73) afirma que deste modo a língua “apresenta-se como um depósito inerte, tal como a lava fria da criação linguística, abstratamente construída pelos linguistas com vistas à sua aquisição prática como instrumento pronto para ser usado”.
A terceira concepção, por sua vez, vê a língua como forma de interação, “de interação humana, de interação comunicativa pela produção de efeitos de sentido entre interlocutores, em uma dada situação de comunicação e em um contexto sócio-histórico e ideológico”. (TRAVAGLIA, 1998, p. 23).
Há, portanto, um diferencial em relação às outras concepções: o outro se torna agente ativo no ato comunicativo, há interação entre os interlocutores, assim o falante não só age, mas atua sobre o ouvinte e vice-versa fazendo com que o conteúdo enunciado faça sentido para ambos. Para reforçar essa concepção como sendo a mais significativa no que diz respeito à linguagem humana, Bakhtin (1997, p. 125) reforça afirmando que “o processo da fala, compreendido no sentido amplo como processo de atividade de linguagem tanto exterior como interior, é ininterrupto, não tem começo nem fim”. É pautada nessa concepção que encontram-se os gêneros textuais, pois são socialmente agentes.
 
 
3 A LÍNGUA PORTUGUESA E SEU PAPEL SOCIOINTERACIONAL
 
 
 Quem convive no ambiente escolar sabe que a escola é um lugar de interação, lugar onde as ideias surgem e desaparecem, onde elas fluem, se modificam se socializam. É na escola que as relações se estabelecem. 
Pensando nisso, a Língua Portuguesa tem um papel determinante nesse processo de interação e comunicação, pois nos comunicamos através dela. No entanto, não são poucas as reclamações de professores dizendo que os alunos têm dificuldade de compreender, interpretar textos dos mais variados gêneros e até mesmo organizar de ideias tanto oralmente quanto na escrita. Parece que quanto mais informações e acesso aos mais variados gêneros, maior é a dificuldade em retirar deles pontos essenciais, quando na verdade deveria ser o contrário. Textos dos mais variados, deveriam facilitar a compreensão e a interpretação, afinal estão em toda parte, basta observar.
Esses textos giram socialmente e têm papel fundamental no que diz respeito a comunicação. Assim sendo os Parâmetros Curriculares Nacionais da Educação (denominados PCN) apontam que “o domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, [...] produz conhecimento”, (PCN, 2001, p. 15), reforçando a ideia de que o ensino de Língua Portuguesa, além do seu papel curricular nas escolas, assume também um caráter social, pois é por meio dela que ocorre a comunicação, papel fundamental na concepção humana.
Ainda de acordo com os PCN (1998, p. 7) em um dos seus objetivos o aluno deve utilizar diferentes linguagens “como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias [...] atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação”. Corroborando com a ideia de que a língua tem um papel social Bakhtin (1997, p. 109) nos diz que “o ato da fala, ou, mais exatamente, seu produto, a enunciação, não pode de forma alguma ser considerado individual [...] A enunciação é de natureza social”.
Pensando na Língua Portuguesa como meio de expressar ideias, e, se expressamos nossas ideias as fazemos para alguém, a fim de obter algo; evidencia-se mais uma vez que a língua circula socialmente. Deste modo, não podemos deixar de discorrer sobre os gêneros textuais que são as formas de como a língua se manifesta socialmente, tanto em produções orais como em escritas. Essas produções, no cotidiano, recebem o nome de texto. Para os PCN (1998, p. 23), os textos “organizam-se sempre dentro de certas restrições de natureza temática, composicional e estilística, que os caracterizam como pertencentes a este ou aquele gênero.”
Como entidades sócio-históricas, os gêneros, em termos bakhtinianos, são basicamente identificados por três elementos: o conteúdo temático (o objeto discursivo do gênero), o estilo verbal (uma seleção dos recursos verbais, lexicais e gramaticais) e a construção composicional (estrutura). Esses elementos são definidos pelas exigências de um determinado campo de comunicação e atuação. Têm, portanto, um propósito, um estilo, um conteúdo e uma função específica, sustentando a heterogeneidade dos gêneros.
Vale, então, a pena nos aprofundarmos nos chamados gêneros textuais e/ou gêneros do discurso.
 
 
4 OS GÊNEROS TEXTUAIS EM SALA DE AULA
 
 
É comum ouvirmos falar em gêneros textuais. Atualmente o ensino de Língua Portuguesa é pautado no trabalho com os gêneros, no entanto poucos sabem realmente a eficácia do trabalho com os mesmos. Gêneros textuais são sinônimos de comunicação, pois tudo o que diz respeito à atividade humana de certa forma está ligada à atividade comunicativa e ao uso da linguagem e portanto aos gêneros. Para Bakhtin (2000, p. 279), “a utilização da língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana”.
Ainda para Bakhtin (2000), esses enunciados estão sempre ligados a uma esfera da atividade humana e se diferenciam por sua finalidade, conteúdo, pelo estilo da linguagem e sua construção composicional. Estes são denominados gêneros do discurso.
Os PCN entendem como gênero, todo texto que se organiza dentro de determinadas funções comunicativas, que geram discursos sociais. Desta forma, para os PCN (1998, p. 21), com base na teoria bakhtiniana, “os gêneros são, portanto, determinados historicamente, constituindo formas relativamente estáveis de enunciados, disponíveis na cultura”.
Outra definição de gênero encontra-se em Marcuschi (2008, p. 155), que enfatiza:
 
Gênero textual refere os textos materializados em situações comunicativas recorrentes. [...] são textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam padrões sociocomunicativos característicos definidos por composições funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integração de forças históricas, sociais, institucionais e técnicas.
 
Compreendemos, desta forma, por que é tão importante que se ensine Língua Portuguesa também por meio dos gêneros. Eles concretamente fazem parte de tudo o que nos cerca e que historicamente nos constituiu. Partindo deste pressuposto, o ensino de Língua Portuguesa adquire um novo sentido, pois trabalha com a língua em uso concreto, e não um uso meramente abstrato. Além disso, como a gama de gêneros textuais é abrangente, o trabalho do professor pode se pautar dentro de determinado gênero em que consiga também atrelar conteúdos gramaticais, deste modo os próprios conteúdos gramaticais, vistos como chatos e incompreendidos por grande parte dos estudantes, passa a fazer sentido pois está em uma situação real de comunicação, não isolado e desvinculado da realidade como muitas vezes acontece. Assim o trabalho com os gêneros textuais
 
[...] passa pela compreensão e pela apropriação das regras gerais que dizem respeito à organização de frases e necessita de conhecimentos explícitos sobre o funcionamento da língua nesse nível. Trata-se, portanto, de desenvolver nos alunos capacidades de análise que lhes permitam melhorar esses conhecimentos. (DOLZ, SCHNEUWLY, 2004, p. 116).
 
Além disso, o trabalho com o gênero não exclui o trabalho específico com a gramática quando reserva a ela um momento de aprendizado que vem a colaborar de maneira significativa com este trabalho. Neste sentido os autores enfatizam que
 
[...] é essencial reservar um tempo para um ensino específico de gramática, no qual o objeto principal das tarefas de observação e de manipulação é o funcionamento da língua. A bagagem que os alunos terão acumulado ao longo desses momentos de reflexão específica poderá ser reinvestida, com proveito, nas tarefas de escrita e revisão [...]. (DOLZ, SCHNEUWLY, 2004, p. 116).
 
Trabalhar de uma maneira articulada, inserindo em situações de uso o conteúdo proposto exige muito mais preparação do professor, no entanto, os resultados também serão mais gratificantes e para o aluno o que lhe é ensinado passa a fazer sentido. Quanto ao trabalho com os gêneros, tão importantes, pois fazem parte de uma efetiva interação os PCN (1998, p. 21) destacam que “todo texto se organiza dentro de determinado gênero em função das intenções comunicativas, como parte das condições de produção dos discursos, as quais geram usos sociais que os determinam.”
Segundo Bakhtin (2000, p. 282) a língua está interligada aos gêneros, quando ressalta que “[...] a língua penetra na vida através dos enunciados concretos que a realizam, e é também através dos enunciados concretos que e vida penetra na língua”. Sendo assim, o trabalho com os gêneros textuais possibilita ao aluno vivenciar aquilo que produz, ver que o que ele está produzindo é relevante já que tem uma função social.
A aprendizagem passa pelo estudo dos gêneros, pois eles intermediam as práticas de linguagem. Para Dolz e Schneuwly (2004, p. 75) “[...] a aprendizagem da linguagem se dá, precisamente, no espaço situado entre as práticas e as atividades de linguagem. [...] Os gêneros textuais, por seu caráter genérico, são um termo de referência intermediário para a aprendizagem”.
Dolz e Schneuwly (2004, p. 75) ainda ressaltam a importância se utilizar os gêneros textuais, já que possuem valor comunicativo, na sala de aula: “[...] do ponto de vista do uso e da aprendizagem, o gênero pode, assim, ser considerado um megainstrumento que fornece suporte para a atividade, nas situações de comunicação, e uma referência para os aprendizes.” Os autores ainda discorrem sobre a utilização dos gêneros num caráter discursivo enfatizando que ao longo desta utilização poderá ser realizadas analises empíricas:
 
O primeiro esquema para a utilização é aquele que articula o gênero à base de orientação da ação discursiva. Esse esquema funciona em dois sentidos: de um lado, o gênero como instrumento – unidade de conteúdo temático, composição e estilo – deve poder ser adaptado a um destinatário preciso, a um conteúdo preciso, a uma finalidade dada numa determinada situação. O funcionamento preciso desse mecanismo pode ser objeto de análises empíricas. (DOLZ, SCHNEUWLY, 2004, p. 75).
 
O gênero na sua utilização é o responsável pela formação do conhecimento, ao  professor cabe a tarefa de adequar a realidade dos alunos para poder ser trabalhado de forma significativa e explorando o máximo que conseguir os recursos formais e estruturais do gênero para uma efetiva compreensão. Em síntese, a maneira como o gênero é trabalhado em sala possibilita um aprofundamento a respeito do mesmo e os alunos podem perceber sua função sociocultural e comunicativa e todos os fatores e escolhas sejam elas gramaticais, estilísticos, estruturais que cercam este gênero, pois acima de tudo os gêneros, como nos esclarece Marcuschi (2008, p. 159) “não são entidades formais, mas sim entidades comunicativas em que predominam os aspectos relativos a funções, propósitos, ações e conteúdos.”
Portanto, o trabalho com os gêneros textuais, torna a tarefa de ensinar mais prazerosa, pois os alunos veem significado em se trabalhar com algo de sua realidade, que esteja em seu convívio. O trabalho com os gêneros possibilita trabalhar a língua em movimento não de forma “engessada”, descontextualizada e abstrata.
 
 
4.1 GÊNERO TEXTUAL VERSUS TIPO TEXTUAL
 
 
No entanto, um ponto muito significativo e ainda preocupante é que em muitas ocasiões o que se vê é que nas escolas não é trabalhado o gênero em si, mas tipos textuais que se diferem do gênero por não terem uma função sociocomunicativa. Uma definição de tipo textual encontra-se em Marcuschi (2008, p. 154) que diz:
 
Tipo textual designa uma espécie de construção retórica [...] definida pela natureza linguística de sua composição [...]. O tipo caracteriza-se muito mais como sequências linguísticas sequências retóricas) do que como textos materializados; a rigor, são modos textuais. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção.
 
A simples leitura desta definição remete a diferenças do gênero em relação ao tipo textual.
É comum a prática escolar utilizar-se de tipos textuais (descrição, narração e dissertação) para a construção do conhecimento, aprendizagem e domínio da língua. Segundo Dolz e Schneuwly (2004, p. 77) os tipos textuais são “elaborados como instrumentos para desenvolver e avaliar, progressiva e sistematicamente, as capacidades de escrita dos alunos.” Entretanto essa atividade torna-se maçante levando-se em conta que não há uma finalidade estabelecida a não ser propriamente a avaliação do professor. Isso leva a crer que o ensino de gêneros, é por si só, significativamente relevante, afinal é a língua em evidente uso e com múltiplas funções. Contudo, estes tipos textuais podem e devem ser ensinados na escola. No entanto, isso deve ser feito de maneira articulada, significativa através dos próprios gêneros textuais que abarcam estes tipos textuais.
Os PCN (2001, p. 34) destacam a dificuldade em se escrever textos desarticulados e muitas vezes irreais
 
Ensinar e escrever textos torna-se uma tarefa muito difícil fora do convívio com textos verdadeiros, com leitores e escritores verdadeiros e com situações de comunicação que os tornem necessários. Fora da escola escrevem-se textos dirigidos a interlocutores de fato. [...] Quando entram na escola, os textos que circulam socialmente cumprem um papel modelizador, servindo como fonte de referência, repertório textual, suporte de atividade intertextual.
 
Portanto, nas atividades de ensino, a multiplicidade e diversidade de gêneros atuam na construção e desenvolvimento de diversas capacidades linguísticas fazendo com que a língua seja entendida como um todo e não em parte. Os PCN (1998) nos alertam sobre que gêneros devem ser escolhidos para serem trabalhados na escola, pois trabalhar todos é uma tarefa praticamente impossível, visto que existem inúmeros gêneros textuais. Para os PCN (1998, p. 24):
 
[...] é preciso que as situações escolares de ensino de Língua Portuguesa priorizem os textos que caracterizam os usos públicos da linguagem. Os textos serem selecionados são aqueles que, por suas características e usos, podem favorecer a reflexão crítica, o exercício de formas de pensamento mais elaboradas e abstratas, bem como a fruição estética dos usos artísticos da linguagem, ou seja, os mais vitais para a plena participação numa sociedade letrada.
 
O trabalho com gêneros textuais abre ao professor um leque de possibilidades muito grande: pode-se trabalhar com a gramática, com a leitura, escritura, além de promover interação entre o aluno, o mundo e as pessoas que o cercam.
Assim, depreendemos que o ensino da Língua Portuguesa deve ser trabalhada em uma perspectiva social e cultural, pois dessa maneira a finalidade do ensino-aprendizado se concretiza. Por isso a importância de se trabalhar em uma perspectiva que foque os gêneros textuais/discursivos, pois estes circulam no meio em que os indivíduos estão inseridos, fazem parte das suas experiências e interlocuções. É um processo de integração social que torna perceptível o funcionamento das unidades de uma língua na construção dos textos e que efeitos seus usos podem provocar na ampliação da competência discursiva do educando. (ANTUNES, 2003).
Corroborando com este pensamento os PCN nos dizem que o trabalho com os gêneros possibilita ao sujeito ampliar sua capacidade linguística e estilística:
 
[...] ser capaz de utilizar a língua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situações de interlocução oral e escrita. É o que aqui se chama de competência linguística e estilística. Isso, por um lado, coloca em evidência as virtualidades das línguas humanas: o fato de que são instrumentos flexíveis que permitem referir o mundo de diferentes formas e perspectivas; por outro lado, adverte contra uma concepção de língua como sistema homogêneo, dominado ativa e passivamente por toda a comunidade que o utiliza. Sobre o desenvolvimento da competência discursiva, deve a escola organizar as atividades curriculares relativas ao ensino-aprendizagem da língua e da linguagem. (PCN, 1998, p. 23)
 
Trabalhar com gêneros textuais é ter um aliado quando se trata de aprendizagem afinal o trabalho com o gênero que foca em situações reais de comunicação, Antunes (2003, p. 42) afirma que “a língua só se atualiza a serviço da comunicação intersubjetiva, em situações de atuação social e através de práticas discursivas materializadas em textos orais e escritos”.
Em suma podemos dizer que o trabalho com os gêneros textuais é uma das melhores maneiras de se ensinar a Língua Portuguesa já que o aluno aprende levando em conta situações reais de comunicação, com uma finalidade, uma intencionalidade e não somente faz resolução de exercícios gramaticais de forma puramente mecânica, descontextualizada e não relevante.
 
 
4.2 O TRABALHO COM O GÊNERO TIRA CÔMICA/TIRINHA
 
 
A tirinha é um dos gêneros textuais/discursivos que possibilita de forma ampla a prática da leitura e a interação com a língua em questão, por conter histórias, opiniões, situações e discussões sobre o cotidiano, por esse motivo, o interesse e a interação dos alunos se torna maior. (SANTOS, 2009). Ainda, segundo Santos (2009, p.6) “a tirinha surgiu da ideia de fazer histórias curtas, de forma que a leitura do texto fosse rápida, eficiente e bem-humorada.” Sendo assim, um trabalho com esse gênero se torna dinâmico e possibilita a inserção do aluno na própria cultura bem como na cultura de outro país quando se trabalha com tirinhas estrangeiras como as de Quino (cartunista argentino) por exemplo. O trabalho com a tirinha possibilita também um aprofundamento cultural, pois esse gênero foca situações cotidianas, e o “estilo verbal” é baseado na comunicação oral. Dessa forma o aluno entra em contato com um gênero que está inserido na cultura de povo, se relaciona com a escrita e, ainda, depreende a linguagem oral.
Santos (2009, p.8) discorre sobre a validade de um trabalho com tirinhas,
 
Na sala de aula, a tirinha é um recurso bastante eficaz, pela sua característica humorística, por ter um roteiro muitas vezes curioso, por ter personagens cativantes, por ser construído por diálogos que lembram os diálogos possíveis no dia a dia (possibilitando um olhar entre as relações de oralidade-escritura) e por ter uma história curta, que não solicitará do aluno um tempo maior para se fazer a leitura. Desse modo, a tirinha promove um maior interesse por parte dos alunos e ao mesmo tempo, trabalha a linguagem de forma geral.
 
Além disso, o trabalho com a tirinhas enfatiza o desenvolvimento da competência comunicativa, da produção oral e escrita e, sobretudo da compreensão oral, já que a língua deve ser vista
 
[...] como uma forma de aproximação ao outro, que permita ir além do acústico e do superficial e leve à interpretação tanto daquilo que é dito (frases, textos) quanto daquilo que é omitido (pausas, silêncio, interrupções) ou do que é insinuado (entonação, ritmo, ironia...) e de como, quando, por quê, para quê, por quem e para quem é dito [...]. (BRASIL, 2008, p. 151).
 
            O trabalho com tirinhas permite ao aluno colocar em prática os conceitos gramaticais que aprende em sala de aula. Muitas vezes estes conteúdos são passados de maneira isolada, descontextualizada, em frases prontas, apenas para a explicação do conceito, no entanto, falta uma real situação de comunicação para que ele perceba seu uso. Santos (2009, p.5) nos lembra que
 
Os conhecimentos gramaticais são percebidos (ou relembrados) enquanto o escritor produz, monitorando a sua escrita. Eles devem ser trabalhados no texto. Principalmente se for no texto do aluno. Desse modo, utiliza-se o conhecimento para gerir prática, pois saber isoladamente o que é substantivo, verbo, adjetivo etc., não significará que o aluno será capaz de construir bons textos. A prática da leitura e o exercício da escrita, vinculados aos estudos gramaticais, são elementos que permitirão ao aluno uma melhor legibilidade dos textos.
 
Sendo assim, o trabalho com a tirinha perpassa por questões gramaticais, linguísticas, de conhecimento de mundo e atinge propriamente as questões especificas da língua materna, fazendo com que o aluno se sinta estimulado a se expressar e a se comunicar, enfatizando a interação entre alunos-alunos e alunos-professor, desta maneira o ensino da língua portuguesa se torna algo prazeroso, em que todos são estimulados a criar e a aprender.
 
 
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
 
 
Quando se fala no ensino de Língua Portuguesa constatamos que ainda há uma lacuna muito grande entre teoria e prática. Isso nos leva a refletir sobre a educação e mais especificamente sobre como a Língua Portuguesa é trabalhada em sala de aula. Analisando as concepções de linguagem apresentadas por Travaglia (1998) podemos refletir sobre nossa formação escolar e sobre nossa prática como professores. Em muitas situações ainda utilizamos a língua de maneira desarticulada e alheia aos seus princípios sociointeracionais. Há falhas na maneira como a língua vem sendo trabalhada em sala de aula. Há um distanciamento entre o que é ensinado e o que é usual e relevante aos alunos.
Felizmente, os professores de Língua Portuguesa estão tentando mudar sua metodologia, buscando trabalhar também com gêneros textuais, com a oralidade, leitura e escritura, mas de uma maneira contextualizada, significativa.
O que precisa ser feito é quebrar os tabus de que a Língua Portuguesa é apenas gramática normativa. Ela é sim um sistema de comunicação riquíssimo, que possibilita um trabalho amplo e significativo com a linguagem.
Papel importante neste processo de tornar o ensino de língua mais significativo tem os PCN (1998), que deveriam ser norteadores das práticas escolares, mas infelizmente, ainda há um distanciamento entre o que é apresentado pelos PCN e o que é realizado em sala de aula. Além do trabalho com os gêneros textuais, que permitem colocar  o trabalho com a língua portuguesa realizado em sala de aula em circulação, em efetivas situações de comunicação, que permitam a ele usar os conhecimentos adquiridos para além das paredes da escola.
Ao entrar em sala de aula, percebemos o quanto o professor deve estar atualizado e preparado para atender às necessidades mínimas de seus alunos. A despreparação para lidar com variedades linguísticas, o apego às questões puramente gramaticais tornam a aula de língua portuguesa um tanto quanto desmotivadora.
O trabalho com tirinhas permite o trabalho com questões gramaticais, linguísticas, textuais atreladas a realidade em textos que circulam socialmente. Desta maneira, a prática pedagógica não se torna obsoleta e descontextualizada. Os alunos percebem nas tirinhas questões, situações linguísticas, que ocorrem em suas próprias falas. Desta maneira, podem através de uma análise acurada, perceber em quais situações podem utilizar determinada linguagem: a formal, a informal, conseguindo assim, adequá-las a diferentes situações comunicativas.
Através do trabalho com os gêneros textuais, especialmente com tirinhas, vislumbramos uma prática que além de satisfatória para nós seja também satisfatória para nossos alunos. Estes que são os mais importantes no processo de ensino-aprendizagem e necessitam de um intermediador que os façam quebrar o tabu de que a língua portuguesa é muito difícil.
 
 
6 REFERÊNCIAS
 
 
ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
 
BAKHTIN, Mikhail. (V. N. Volochínov). Marxismo e Filosofia da Linguagem. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 1997.
 
_____.Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G.Pereira. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
 
BRASIL. Secretaria da Educação Básica e Ministério da Educação. Orientações curriculares para o ensino médio: linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília:
SEB, 2008. 
 
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: língua portuguesa. 3.ed. Brasília: MEC/SEF, 2001.
 
______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
 
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola. São Paulo: Mercado das Letras, 2004.
 
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard; NOVERRAZ, Michèle. Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. IN: DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard (orgs.). Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004.
 
MARCUSCHI, L. A. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo: Editorial, 2008.
 
SANTOS, Everton Pereira. Trabalhando tirinhas na sala de aula. Disponível em: <http://www.webartigos.com/articles/16983/1/trabalhando-tirinhas-na-sala-de-aula/pagina1. .>. Publicado em: 20/04/2009. Acesso em: 22 out. 2012. 19:45:24.
 
TRAVAGLIA, Luis Carlos. Gramática e interação: para uma proposta para o ensino de gramática no 1º e 2º graus. São Paulo: Cortez, 1998.